Revogação de portaria do PIX expõe risco de exageros na fiscalização e repercussão de políticas mal comunicadas

O debate deve ir além das acusações de desinformação e considerar as implicações éticas e práticas de medidas que afetam diretamente milhões de brasileiros.

Redação

O anúncio da revogação da portaria que ampliava a fiscalização de transações financeiras realizadas via PIX e outros meios eletrônicos traz à tona um debate importante: até que ponto o governo pode avançar na vigilância das operações financeiras sem gerar desconfiança ou comprometer a privacidade dos cidadãos?

A norma, que obrigava instituições de pagamento a informarem transferências superiores a R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 15 mil para empresas, foi amplamente criticada. A reação não veio apenas de uma suposta “onda de desinformação”, como sugerido pelo governo, mas também de questionamentos legítimos sobre excesso de controle e possíveis abusos fiscais.

O cerne do problema

A justificativa para a ampliação da fiscalização era, presumivelmente, combater a evasão fiscal e práticas ilícitas. No entanto, a forma como a medida foi implementada, sem uma ampla consulta pública ou clareza nos objetivos, gerou temores de que o Estado estaria avançando demais sobre a liberdade econômica e financeira dos cidadãos.

Ao mesmo tempo, o limite de R$ 5 mil para pessoas físicas pareceu arbitrário e desconectado da realidade. Em um cenário econômico onde o PIX é amplamente usado em transações do cotidiano, muitos cidadãos poderiam cair nessa “malha fina” sem qualquer indício de irregularidade. Assim, a preocupação legítima com a privacidade e a autonomia financeira foi colocada em segundo plano.

Fake news ou legítima preocupação?

O governo atribuiu grande parte da reação contrária a fake news que circularam nas redes sociais, sugerindo que transferências acima dos valores estabelecidos seriam taxadas diretamente. Porém, a desconfiança sobre a criação de uma infraestrutura de monitoramento excessivo é válida, especialmente quando a narrativa oficial falha em tranquilizar a população.

Se há uma lição a ser aprendida, é que medidas que ampliam a vigilância financeira precisam ser transparentes, bem fundamentadas e amplamente discutidas com a sociedade. Sem isso, não é surpresa que as pessoas se sintam ameaçadas por normas que parecem mirar não apenas os infratores, mas também cidadãos comuns.

Um precedente perigoso

Embora a norma tenha sido revogada, a tentativa de sua implementação abre um precedente perigoso. A população tem o direito de questionar até que ponto o fisco pode monitorar e registrar cada detalhe da vida financeira sem comprometer princípios fundamentais, como a privacidade e a presunção de boa-fé.

O debate deve ir além das acusações de desinformação e considerar as implicações éticas e práticas de medidas que afetam diretamente milhões de brasileiros. A pergunta que fica é: estamos caminhando para um modelo onde a fiscalização se torna intrusiva demais, ou há formas mais inteligentes de combater a evasão fiscal sem prejudicar a confiança entre governo e contribuinte?

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