Aliados de Jair Bolsonaro e Donald Trump têm intensificado nas últimas semanas a disseminação de uma narrativa que aponta para um suposto escândalo envolvendo a Usaid, agência federal dos Estados Unidos. O alvo principal da campanha é o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o democrata Joe Biden e as eleições de 2022.
Sem apresentar provas, os grupos afirmam que a Usaid financiou a vitória de Lula sobre Bolsonaro, repetindo uma estratégia comum entre setores da direita radical.
O papel da Usaid e a nova ofensiva da direita
A Usaid foi criada em 1961 pelo então presidente John F. Kennedy e tem como objetivo oferecer auxílio financeiro a nações estrangeiras, abrangendo desde programas de saúde até assistência em catástrofes. Durante a Guerra Fria, a agência também desempenhou um papel estratégico na promoção da imagem dos Estados Unidos no exterior.
No atual mandato, Trump tem atacado a agência, acusando-a de fraude e de mau uso de recursos públicos. O bilionário Elon Musk, dono da plataforma X (antigo Twitter), está entre os que apoiam um desmonte da Usaid, promovendo cortes e demissões em massa.
A narrativa chegou ao Brasil após uma conversa entre Steve Bannon, ex-assessor de Trump, e Mike Benz, que se apresenta como ex-funcionário do Departamento de Estado. Em um vídeo divulgado no X, Benz afirmou que a Usaid gastou “dezenas de milhares de dólares” para apoiar leis contra a desinformação no Congresso brasileiro e financiar advogados que atuaram junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para reprimir conteúdos de Bolsonaro em redes sociais.
A repercussão no Brasil e a tentativa de CPI
Sem apresentar provas, Benz alegou que, sem a intervenção da Usaid, “Bolsonaro ainda seria o presidente do Brasil e a internet no país permaneceria livre“. A afirmação repercutiu rapidamente entre os bolsonaristas, sendo amplificada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), que tem uma ligação direta com setores trumpistas.
Em uma postagem no X, Eduardo Bolsonaro acusou a Usaid de interferir no debate público e no processo democrático brasileiro. Ele iniciou a coleta de assinaturas para a abertura de uma CPI para investigar a questão, além de prometer enviar requerimentos de informação ao TSE e apresentar uma denúncia formal à Procuradoria-Geral da República.
Em resposta a uma reportagem que citava suas alegações sem provas, Eduardo Bolsonaro ironizou: “Ou seja, voltou o ‘sem provas’, como se eu estivesse falando alguma besteira”. Ele apresentou como evidência um comunicado de 2021 do site do TSE, que mencionava a participação do então presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, em um evento sobre desinformação promovido pela Usaid. “Isso é só um dos exemplos, mas tem muito mais por vir”, afirmou.
Expansão da narrativa nas redes sociais
A narrativa de interferência da Usaid rapidamente se espalhou pelas redes bolsonaristas. Segundo levantamento do instituto Democracia em Xeque, entre os dias 4 e 10 de fevereiro, houve mais de 1 milhão de publicações e 5 milhões de interações sobre o tema no Brasil.
Uma das postagens de maior engajamento veio do próprio Jair Bolsonaro, no dia 5 de fevereiro. Em uma foto ao lado de Trump, ele escreveu: “O governo americano de @realdonaldtrump vem revelando, há dias, a gigantesca máquina de moer que o governo anterior utilizava para direcionar o suado dinheiro do pagador de impostos americano ao patrocínio de ditaduras e à aniquilação de democracias”.
Durante seu mandato, no entanto, Bolsonaro manteve colaborações com a Usaid, incluindo parcerias para preservação da Amazônia e doações de ventiladores pulmonares durante a pandemia de Covid-19.
A agenda antiglobalista e a mobilização internacional
A ofensiva contra a Usaid também se alinha à estratégia antiglobalista promovida por Trump, Bolsonaro e o primeiro-ministro Viktor Orbán, da Hungria. O discurso de “soberania nacional” tem sido usado para atacar ONGs e instituições consideradas alinhadas a ideologias progressistas.
Orbán também explorou o tema em suas redes sociais, afirmando: “A elite globalista liberal usou o dinheiro dos contribuintes dos EUA para forçar sua agenda política progressista goela abaixo do mundo”.
Nos Estados Unidos, o senador Mike Lee se uniu à polêmica, perguntando no X: “Se o governo dos EUA tivesse financiado a derrota de Bolsonaro para Lula, isso o incomodaria? Eu ficaria furioso. Quem está comigo nessa?”. Musk respondeu ao tweet afirmando que “o estado profundo dos EUA de fato fez isso“.
A campanha contra a Usaid segue mobilizando a extrema-direita global, consolidando-se como o principal exemplo recente de cooperação entre setores bolsonaristas e trumpistas. Com Trump novamente no poder, os bolsonaristas esperam um reforço à sua agenda política, especialmente em um momento em que Bolsonaro está inelegível e enfrenta dificuldades no cenário político nacional.